sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Uma Carta para Alice

Minha querida,

Ainda nao sei seu nome mas ja te amo, minhas palavras faltam na sua presença. Te conheço faz anos vivemos, cada um a seu modo, a degradaçao da vida e as angustias e sofrimentos de uma vida que nao faz mais sentido que nada tem reservado para nos. Mas me penitencio por este amor, como poderia eu, amar novamente, como teria eu direito a uma nova vida. Nao! eu nunca poderia fazer isto com ela, sou casado.
Se nao te digo nada e por que as palavras so atingem uma camada de nossas vidas e, como voce sabe bem, nada temos a dizer podemos falar mas tudo que falarmos nao sera capaz de traduzir os olhares e a vida que recuperei olhando pela janela embassada de meu apartamento. O que mais impressiona e a vida que existe naquele pulgueiro em que vives revela toda a sua alma, revela seu desespero. Sua miseria esta estampada naquele quarto, bem como a minha viste no vidro do prato vermelho.
Nao, em sua presença nao tenho vergonha de ser quem sou e de andar e de mostrar meu membro em riste, mas bem sabes que a droga nao permite que eu seja ninguem assim como nao es. Teu olhar placido e complacente me deprime , por que todos a quem revelei meu desespero materializado naquela droga, que agora percebo que ante sua presença nao tenho coragem de dizer o nome, mostrou pena, julgamento e indiferença. Nao voce nao vc entende a minha degradaçao
Nao sabemos o por que nos tornamos estes seres subumanos mas compreendemos a nossa falta de existencia, nossa morte em vida,  somente com nossos olhares e o que importa o que veio antes, nos ainda temos uma subsistencia pela frente. Ahhh se eu nao fosse casado, certamente tomaria a ti em meus braços e, talvez, tivesse direito a uma nova felicidade. Mas infelizmente nao pode ser. Amo te em segredo entao. Nao me deixe, mantenha sua vida, para que um dia eu possa encontrar a borboleta que me libertara de todo desespero e me dara uma nova vida.

Sempre seu Carlos

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O vidro

Na mesa de Carlos pendia um prato de vidro vermelho em que os restos da cocaina se misturavam a inscriçoes realizadas em uma lingua que nao sabia decifrar o episodio do pulgueiro havia tomado seu ser de tal forma que cheirou uma carreira atras da outra inspirando sua saida do corpo por completo o vidro perdeu o foco. 
Seu penis saltava pela calça a situaçao ignobil da falta de salvaçao inspirou-lhe um desejo sexual a tal ponto que desejaria olhar para aquele pulgueiro mais vezes numa catarse inimaginavel. Deixe me explicar, no entanto algo, nao era o sexo que o excitava mas a propria desgraça humana, a propria degradaçao daquela figura linda entremeada pelas gorduras e suores corporais daquele ser patetico que se dispunha sobre seu corpo.
O espetaculo do nojo foi o que gerou seu gozo a certeza da angustia alheia, o bizarro em toda a situaçao, poderia, certamente, esquecer o sexo que ocorria a vistas nuas mas nao a sensaçao de degradaçao que o ligava aquela moça, sim, ele a amava e o jorro de seu semem era a prova do amor pela ligaçao extrema que os seres encontram na sua propria desgraça.
Fazia poucas semanas que estava naquele lugar e pouco saia, na verdade so saia para comprar mais drogas e continuar seu ritual de auto penitencia fitava entao a desgraça alheia sem que as palavras pudessem ser formadas, nao, nao havia qualquer delas que pudesse dizer sobre seus sentimentos e as contradiçoes que se faziam presentes em sua percepçao
Disto decorreu um pensamento que o assolaria por dias "as palavras nao dizem mais nada". Como por subito a moça percebeu seus olhares indiscretos e passou a gemer cada dia mais alto como se dissesse "voce esta aqui comigo" e, no tempo em que os olhos significam muito mais que os ouvidos, seus olhares destinavam-se a janela adjacente sempre esperando que seu admirador tivesse ali. Numa cumplicidade silenciosa passaram a se entender pelos seus olhares e a condiçao de desgraça mutua substituiu-se uma continua autopiedade compartilhada, uma compaixao, um verdadeiro amor. 
Mas como e possivel de toda aquela sujeira, imundicie nascer uma flor? Num pantano negro e fetido uma bela rosa vermelha brotou e os olhares desejosos e complacentes se tornaram cumplices, cumplices na sua desgraça! Enquanto ela vendia seu corpo por qualquer ninharia ele vendia seu corpo por qualquer coisa que o fizesse esquecer e, assim, ambos podiam entender a subvida que levavam.
Nao, mas isto nao era o suficiente para que pudessem dizer um ao outro qualquer palavra a final "as palavras nao dizem mais nada". Certo dia ao descer pelas escadas Carlos encontrou a jovem moça entrando no predio fitou-a e nada tinha a dizer mas sentiu seu coraçao palpitar e o mesmo aconteceu com ela. Nao trocaram uma palavra e mantiveram ainda por um tempo a relaçao que doentia de cumplicidade degradante que tinham antes. No entanto, ao encara-la algo mudou reparou nos trejeitos e percebeu nela a mesma moça que havia o recebido com tantas palavras e inconveniencias.
Tal encontro deu-lhe a certeza de que "as palavras nao nos dizem mais nada, nao significam nada, existem tantas linguagens e tantos significados que somos incapazes de compreender uns aos outros, mas resiste uma percepçao de algo que nos conecta de um sofrimento, uma dor, que pode nos fazer enxergar e, talvez, se um dia formos capazes de acessar a isto poderemos outra vez dizer algo em vez de falar palavras ao vento." Com isto seguiu seu caminho com um sorriso no rosto como quem faz uma descoberta inimaginavel, revolucionaria para a ciencia deixando a moça para tras esperando que a cumplicidade adquirida no olhar pudesse enfim se materializar em razao e dizer algo, mas o que tampouco ela sabia.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O narrador

Existem três seres que são tão importantes às histórias e falsificações que contamos a fim de ver quadros enxutos de nossa existência sairem pálidos de nosso sersão eles: os personagens, o escritor e ele o narrador. Percebam que eu diferenciei o narrador do escritor este é o senhor da história de onde todos os quadros saem enquanto aquele é somente o arauto, o bardo, que conta a história; este sabe toda a história mesmo que numa percepção iterativa enquanto aquele só a toma conhecimento na medida de uma consciência que se forma racionalmente.
O narrador é fiel ao escritor, o único fiel, pois não poderia não sê-lo está adstrito à capacidade de racionalizar a vida e a existência dos personagens daquele. Nele falta, ainda, um pouco da palidez e sobra um resto de vida, uma existência autônoma que serve de médium para a pálidez que deve se instaurar nas angústias que se materializa nos personagens.
Deixe-me demorar, apenas um segundo, será que ainda posso ficar aqui preso nesta idéia de que o narrador é um médium? Será que se é assim não brilha em si já um tanto do exagero e da falsificação dos personagens nele, e como um catalisador ele é tomado pela reação química que transforma os personagens em plasmas que se desprendem do escritor? Ahhh mas quantas dúvidas sobram em mim agora, o quanto das percepções internas de cada personagem exagerado, falso, mentiroso e velhaco é de direito do narrador? Nenhuma provavelmente.
A impaciência me toma agora, então, sigamos em frente pois já não sei mais quem sou; nesta dialética infernal divido-me em tantos que a verdade está tão longe de mim e estes personagens riem face a minha própria existência, o pouco de vida que eu empresto ao narrador para que ele arranque de mim as angústias transformando-as em personagens é o suficiente para que, como num sonho, estes velhacos escarneçam da minha existência que lhes empresto; e agora já não posso mais lhe dizer quem sou. 
Desvio-me por estas sendas, inevitávelmente, não me encontro mais neste ser mas agora sou muitos enquanto sou um só e a inefabilidade do narrador já se mostra, pois somente este é o senhor da reação alquímica que poderá dividir minha vida em muitas e ver nela camadas e também destruir toda esta peça que se constrói a minha volta para que eu possa ser novamente eu. Ahhh narrador, sou eu ou sou você o guardião do sentido de minha existência? Me retire por favor deste desespero!